sábado, 21 de janeiro de 2012

A chegada... O comeco da partida.

A camioneta pára de repente e o meu coracao dispara. Chegamos. Desco desesperada por um cigarro. Ainda nem tive tempo para olhar à minha volta e sou chamada pela Ena. Cinco minutos num colectivo depois e estavamos em Grocio Prado.

Os primeiros minutos (ok, as primeiras horas) foram uma montanha russa de emocoes. Olhei à minha volta e tinha mais de 30 olhos esbugalhados fixados em mim. "Hola Señorita!" (o primeiro de muitos), e alguns timidos "Hola" de retorno depois seguimos para o comedor. Transpirava-se Domingo por todos os cantos, com um sol penetrante e incisivo, daqueles que transformava o mar morto numa pilha de sal.

O comedor era um pouco diferente de como o imaginara. Mas apesar das fotos o favorecerem substancialmente, continua a ser o edificio mais moderno da vila. No primeiro piso, as mesas de madeira corridas, onde sao servidas as refeicoes, a cozinha (diz que é uma especie de, pelo menos) e o escritorio da directora. No segundo e no terceiro piso as salas para as actividades e os quartos. Um olhar rápido pelas instalacoes, pegamos nas mochilas e vamos conhecer a minha casa para os proximos 2 meses (ou assim achava eu).
Há medida que vamos andando passamos pela praca principal. Era tal e qual a imaginara.Uma espécie de Tieta encontra-se com Roque Santeiro. Vou sendo apresentada à senhora das sanduiches de peixe, à senhora das sanduiches de frango e tento, infrutiferamente, decorar todos os nomes à primeira. Passando a pequena praca, entramos numa esburacada estrada de terra batida com pequenas casas em construcao, outras em aparente reconstrucao e uma camada incessante de pó no ar. Confesso que a cada passo que dou o medo do que vou encontrar vai aumentando. Paramos, de repente, em frente a uma pequena, mas muito pitoresca, casa. Coincidentemente (e nao, isto nunca me acontece), aquela que via ao fundo e desejava que fosse a minha. Tocamos â campainha e... Bem e nada! Continuamos a tocar mas ninguem abriu. Nao esperava uma parada para me receber, mas as chaves de um sitio onde pudesse pousar as mochilas, deitar-me e tomar um banho almejava tanto como uma taca de cereais anseia pelo leite.

Decidimos voltar ao Comedor para pousar as mochilas e fomos almocar. Acabamos de pedir 3 carapulcras (um prato tipico de Grocio Prado), quando se juntam a nós a Cynthia (uma amiga de Lima da Ena) e a sua mae. Um explosao de sabores depois , com vários tipos de molhos à mistura, o meu estomago da o alerta de que nao consegue aguentar mais. Pouso a colher e sou atacada por quatro "no haÇas iso!!". O meu primeiro, e penso que natural, pensamento foi - "o que é que eu fiz? O que é que eu fiz??. Respiramos todas fundo e enquanto olha de soslaio para a senhora que nos serviu, a Ena diz-me que nao posso deixar comida no prato. Nao tive tempo de dizer nada e percebi pelas expressoes que o assunto era sério. Tentei comer mais umas colheradas, mas nao consigo. Explicam-me entao que devo pedir para levar.

Confesso que à primeira vista parece um costume absurdo. Mas num sitio onde nao ha muito para comer e onde muitas pessoas passam fome é realmente falta de respeito deixar comida no prato. Aprendo, assim, que devemos sempre saber a quantidade que queremos antes de pedir, e dar essa indicacao quando pedimos seja o que for.
Descubro tambem que até entao desconhecia o que era um guardanapo de uma folha. Porque um guardanapo de uma folha tal como eu o conhecia, dá para quatro guardanapos dos deles. Preparo-me, por fim, para pagar, quando sou interrompida pela mae da Cynthia. Insiste em nos oferecer o almoco. Tenho medo que fique ofendida se insistir (afinal nao conheco os seus costumes) e tambem estou demasiado cansada, por isso acedo prontamente.

Água, preciso de água. Quero tomar banho e quero uma cama. De volta ao comedor para pegar nas mochilas conheco os outros dois voluntarios. A Nicole, uma voluntaria americana que tambem estudou Psicologia e está cá desde Maio, e o Emil, um sueco alto de olhos esbugalhados que está cá há dois meses e regressou recentemente da selva (Boa! Conselhos, quero conselhos!!).

Desta vez ao tocarmos a campainha somos brindadas por uma calorosa senhora que me abraca imediatamente e me dá as boas vindas. Finalmente conheco a minha casa. Ainda cheira a tinta e as paredes verdes ferem um pouco a vista mas estou agradavelmente surpresa. Sinto que encontrei um Oásis no meio do deserto e nem o facto da casa de banho nao ter tecto me abala o sorriso.
Agradeco à Lidia a fantástica casa com que me acolhe, elogio cada pormenor (atè pos lacinhos na sanita) e exalto o seu bom gosto (Sim, além de ser naturalmente simpática quero realmente deixá-la feliz por me receber. Afinal vai ser a minha "mama peruana", como diz a Ena, nos próximos 6 meses). Despeco-me dela e da Ena, fecho a porta de casa e respiro fundo (tem vindo a ser um hábito, eu sei).

Um turbilhao de emocoes toma conta de mim, mistura-se com o cansaco e com a exaustao fisica e sai um ataque de choro compulsivo para a mesa dois. Estou literalmente no meio do nada, longe de tudo o que conheco e a minha casa de banho nao tem tecto. O quarto nao tem janelas e tem tantas teias de aranha. Tenho tanto calor e quero tanto dormir. O que é que eu fiz? Porquê que eu estou aqui? O que é que me deu?
Sento-me em cima da cama agarrada à mochila e olho à minha volta com olhos ansiosos. Como uma crianca que espera pelos pais à porta da escola. Um telefonema catàrquico depois e respiro fundo. Atiro as mochilas para o chao, encho o peito e vou tomar banho.

Nao sei se foi da água fria mas o ataque dos cinco minutos de há pouco desvanece-se. Enrolo-me na toalha, sento-me na cama e respiro fundo. Que sensacao fantástica! Que aventura! Sinto-me feliz. Penso na sorte que tive e no quao bem as coisas estao a correr! Respiro fundo mais uma vez e desta vez vai mesmo até ao fundo. Nao fica mais preso no nó na garganta (que entretanto desapareceu).

Podemos sonhar quinhentas vezes com uma coisa, fazer promessas, até mesmo tentar concretizá-la. Mas a sensacao de a estar a viver é única. Turbilhao de emocoes. Imensidao de sentidos. Montanha russa. Intensidade. Mas assim sou eu. Para o bem e para o mal. Nao é defeito, é feitio (disseram-me uma vez).
Suspiro. Deixo a luz acesa (já enfrentei demasiado desconhecido por hoje). Olho uma última vez à minha volta. Fecho os olhos e deixo-me dormir. Amanha é "o" dia.

3 comentários:

  1. Assim és tu...xi, cariño mio...
    Vive as tuas emoções...
    Realiza o teu sonho...
    Mamãe (a portuguesa)

    ResponderEliminar
  2. Por vezes, ao "ler-te", tenho a sensação de que estou contigo, sentada à minha frente, com um copo de vinho ou cerveja (dependendo do tema) e a fumar um cigarro!! É simplesmente GENIAL! ; )

    ResponderEliminar
  3. primeiro estranha-se....... depois entranha-se! é assim mesmo a aventura de "conhcer" o desconhecido!

    ResponderEliminar