sábado, 21 de janeiro de 2012

O gato, o japonês e o Dakar!

A noite comecou qual retrato a aguarela da minha viagem. Atribulada. Depois de uma louca viagem de táxi por uma cidade ao rubro (Eram 2h da manha de Sábado) em que iamos tentando quebrar o gelo e conhecer-nos um pouco melhor, chegamos ao Hostel. Já estava tudo tratado, a noite marcada e o quarto reservado. Fui tentando "apanhar do ar" o que senhor do Hostel ia dizendo porque o Espanhol "corridinho" é tao facil de perceber como um gago com solucos.

Subimos, finalmente, para o quarto e tivemos que entrar âs escuras porque estava um japonês a dormir e nao queriamos acorda-lo. Arranjei-me e fui aos apalpoes até aquilo que me apontaram como sendo a minha cama, a parte de baixo de um beliche que nao conseguia sequer vislumbrar. O cansaco era imenso, mas ainda assim nao pude deixar de pensar que gostaria de, pelo menos, puder ver onde me estava a deitar. O desconhecido, na escuridao, torna-se áspero ao toque, por mais macio que seja. Ainda assim, sentia-me tao cansada que fechei os olhos e deixei-me levar.
Nao passaram nem 5 minutos e sinto algo em cima de mim (e nao, ao contrario do que é suposto nao foi uma sensacao agradável). O grito da praxe, acorda-se o quarto todo (quase) e chegamos â conclusao que temos um gato no quarto. Ainda bem que as construcoes no Japao estao preparadas para terramotos, porque o quarto, literalmente, caiu, enquanto expulsavamos o gato, e o Japonês nem se mexeu.

Agora que penso com mais calma, poderia ter melhor recepcao no Perú do que ter um gato a saltar para a minha cama a meio da noite? (Tou a brincar obviamente!! A meio do dia também é agradavel!!).

Acordo e agradeco a escuridao da noite anterior. Afinal ha alturas em que estamos, sem duvida, melhor na ignorancia. Tomo o meu primeiro banho no continente Americano, visto-me e desco para uma nova vida. Tomamos o pequeno almoco, ponho uma das mochilas âs costas e agradeco aos deuses a Ena nao ter cedido â minha insistência para levar as duas.

Na rua comeco a aperceber-me que o choque cultural nao é tao grande como imaginava. Troco 100 dólares a um senhor, na rua (que para meu espanto só me cobrou 30 centimos "a mais") e vou comprar o meu primeiro maco de cigarros no Perú (que ainda hoje continua por abrir). Aqui só vendem macos de 10 cigarros, e a um preco escandaloso (Ou pelo menos era até aprender a fazer a conversao correcta).

Sao estranhas as primeiras horas num sitio novo, especialmente quando estamos sozinhas. Os sons, os cheiros, as cores. Sons conhecidos em sitios desconhecidos. Cores familiares em paisagens que nunca vimos. Cheiros novos com essencias de cheiros familiares.
Enquanto vamos caminhando sinto-me uma crianca de 5 anos, qual catavento desenfreado, como se tivesse medo que algo me escapasse. A Ena chama-me e entramos para um colectivo. O que é um colectivo? É uma carrinha ou um carro em que todas as pessoas vao para o mesmo sitio, e só arranca quando está cheio.
Mal descemos do colectivo sou recebida por uma multidao em extase. Debrucados sobre pontoes e ao longo de toda a berma da estrada centenas de pessoas batiam palmas e celebravam a minha chegada. Apercebi-me, mais tarde, que talvez alguns estivessem ali porque também o Dakar chegava a Lima naquela manha.

Foi emocionante viver aquele histerismo colectivo. Mesmo nao tendo acompanhado esta corrida, a forma alegre e extasiada como a multidao brindava cada carro que passava era contagiante. Ficamos um pouco a absorver toda aquela energia e seguimos viagem. Mais uma camioneta mirabolante. Saimos nos arredores de Lima, onde apanhamos finalmente a camioneta para Chincha.

A viagem deu para conhecer melhor a Ena e o trabalho que desenvolve no Comedor. Dá tambem para sentir a paixao que tem pelas criancas e pelo que faz. Enquanto vamos conversando vou espreitando pela janela. Vejo o oceano que nos vai acompanhando ao longo da costa e apercebo-me que nao vejo areas verdes. Como se a paisagem estivesse coberta por uma camada gigante de poeira. A primeira impressao torna-se um pouco árida, mas rapidamente me concentro novamente na excitacao de conhecer as criancas. E a poeira como que se desvanece.
Pelo caminho vao entrando vendedores ambulantes com bacias de refrigerantes e argolas com sacos transparentes repletos de todo o tipo de batata e banana frita que existe. Experimento a banana rosa frita. Saboreio cada segundo, e a banana tambem. Respiro fundo. No banco onde me sento as molas vao saltando a cada lomba que passamos e eu salto tambem. Coberta de poeira, rodeada por desconhecidos e bacias de refrigerante suspiro. Sinto-me "em casa". Nao sei para onde vou, mas aprecio cada pedra do caminho.

1 comentário:

  1. Sempre foste muito modesta.
    Então achas que toda aquela gente era para assistir ao Dakar? Claro que não...
    Que é o Dakar comparado com a tua chegada???
    Era essa a razão do êxtase da multidão: a tua chegada...
    Love you...com muito orgulho
    Mamãe

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